Cooperativa aceita desafio de produzir sem agrotóxicos e aumenta venda em 40% com apoio de Sociedade Orgânica

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+ Agronegócio
Segunda, 03 Julho 2017 | OlharDireto
Quando o gaúcho Moisés Anjo dos Santos de Almeida, 37, veio para Mato Grosso, tinha o objetivo de realizar o sonho de sua família e conseguir um pedaço de terra para produzir. No início, trabalhou como vendedor de loja e até em restaurantes, para só depois de cinco anos ter a oportunidade de se mudar para o Assentamento Agroana Girau onde, hoje, faz parte da ‘Cooperangi’, e trabalha com a produção de alimentos orgânicos.
Ele não foi o beneficiário direto das terras – que foram doadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na verdade, sua família se mudou para lá um ano depois da distribuição, quando, por conta da falta de infraestrutura, o antigo proprietário desistiu. Mesmo com sua família no assentamento, ele só conseguiu se mudar três anos depois, quando finalmente teve renda suficiente para deixar a cidade.
Na época, trabalhava como diarista nas terras alheias, já que em sua propriedade faltava água. No dia-a-dia, lidava com a produção convencional, e sofria com o contato frequente com os agrotóxicos. “Eu já tinha a dificuldade para trabalhar porque o veneno me fazia muito mal. Tinha dor de cabeça, náusea... eu trabalha pros outros e passava mal”.
Foi nessa época que ele foi convidado para fazer parte da cooperativa e, ao mesmo tempo, ouviu falar pela primeira vez sobre os orgânicos. “Na verdade eu achei bacana e me chamou atenção a possibilidade de não usar agrotóxicos”, lembra. “Mas aí vem aquele outro lado: é possível? Porque a gente não tinha conhecimento. Ai você fala com um, ele diz ‘não, não dá certo não, é besteira’. Mas eu não tinha nada a perder”.
Moisés foi um dos poucos agricultores que comprou a ideia de cortar os agrotóxicos da produção. Quem chegou com essa proposta, há cerca de três anos, foi um aluno de economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Na época, até mesmo o presidente da cooperativa, Antônio Luperini, 55, pensou que tudo fosse uma grande besteira.
A cooperativa
A Cooperativa dos Pequenos Agricultores do Assentamento Agroana Girau (Cooperangi) surgiu em 2000, a partir da ideia de um senhor chamado Antônio Amaro. No início, ele não conseguiu levantar recursos para trabalhar, e o grupo ficou cerca de quatro anos sem fazer nada.
“Ele também, pela idade, disse que não podia mais ficar aqui. Estava muito doente e precisava ir para Cuiabá para se tratar”, conta o atual presidente. “Aí ele falou assim: vocês querem acabar com a cooperativa, querem continuar, o que querem fazer?”.
A opção foi por continuar, e, aos poucos, o grupo de 72 agricultores conseguiu firmar algumas parcerias, com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e com as prefeituras de Cuiabá, Várzea Grande e Poconé para conseguir plantar naquelas terras. “Na produção convencional, chegamos a produzir 1200 caixas por mês, usando agrotóxico. O governo nos apoiou com logística de transporte. Essa foi a ajuda que o governo nos deu, de transporte somente”.
Foi em 2014 que a nova oportunidade apareceu. “Chegou um aluno de economia da Universidade com dois professores, e ele fez a proposta pra gente porque precisava terminar os estudos”, lembra Luperini.
A proposta do estudante era implementar ali uma produção com uso menor de agrotóxicos.  “Eu achei a ideia absurda no momento. Falei que não ia dar. Os caras viciados em veneno, em matar mato, e eles vem falar um monte de besteira dessa?”.
Em conversa com a diretoria, no entanto, Luperini decidiu tentar – e ir mais além: “Nós estávamos em 3, 4 da diretoria, e eu falei, se for pra produzir com menos veneno, menos químico, então vamos produzir sem nada de uma vez”.
Mudança radical
Proposta aceita, a Universidade regularizou o projeto para buscar recursos, e conseguiu R$100 mil com o Banco Santander. Unindo os conhecimentos de plantação e adubagem que os produtores rurais já tinham ao conhecimento técnico da universidade, aos poucos a cooperativa aprendeu outras formas de proteger a plantação, como o uso de ‘caldas’, feitas com cal virgem e cobre, com pimenta, com alho e diversas outras combinações.
Nem todos os cooperados compraram a ideia. “No início foi um grupo de treze pessoas que topou. Eram 70 e poucos associados, trinta que realmente produziam e treze aceitaram a proposta. Aí, dos 13, o número foi reduzindo... foi ficando, foi saindo, e no final ficamos em 6, 7 produtores, que é o que está hoje. Porem cresceu assim mesmo. Hoje temos em torno de 15 pessoas que trabalham no campo”.
Aos poucos a produção foi crescendo, mas durante seis meses a cooperativa não sabia pra quem vender. A primeira janela de venda foi uma feirinha realizada na Universidade e, seis meses depois, eles foram procurados pela ‘Sociedade Orgânica’, que hoje representa 40% das vendas. Hoje, a cooperangi ainda fornece para alguns restaurantes e está no início de uma feira no Belvedere.
Na prática
A área comum da Cooperangi, ou seja, onde todos os produtores plantam e colhem, tem cerca de três hectares. Hoje, são produzidos ali de 30 a 40 produtos, seja folhas, mandioca, batata, banana, rabanete, cenoura e diversos outros.
Para vender os orgânicos, a cooperativa teve que conseguir dois selos, um da ‘Organização de Controle Social’ (OCS), de Mato Grosso, em que os produtos são classificados como ‘agroecológicos’ e outro de uma classificadora do sul do país, em que os produtos são classificados realmente como orgânicos.
Com o selo da OSC, a Cooperangi consegue, também, comercializar os ‘produtos de quintal’, que nascem fora da área da cooperativa, no quintal dos produtores rurais. “A pessoa chega aqui e fala olha, eu tenho laranja. Aí vem a pessoa especializada, dá uma olhada boa, se realmente não usa agrotóxico de forma nenhuma, aí tem a possibilidade de pegar produto deles. Usou agrotóxico, acabou”. Dentre esses ‘produtos de quintal’ estão, por exemplo, tamarindo, cajamanga, cumbaru, macaúba, bocaiúva, e tudo o que nasce fora da horta.  
O trabalho na hora é feito todos os dias por todos os produtores. Primeiro, as sementes são colocadas no substrato, que é feito com produto de compostagem, e ficam guardadas no ‘berçário’ por cerca de trinta dias. Dali eles vão para o campo, onde a terra é adubada com biofertilizante (esterno e urina de gado), palhada (capim colonial com milho) ou casca de arroz e com o produto da compostagem.  Vale lembrar que até mesmo a pastagem que o gado come é analisada, para que não tenha nenhum tipo de agrotóxico.
Para evitar as doenças a que os produtos estão vulneráveis, Luperini explica que é preciso fazer rotação de cultura, ou seja, plantar diferentes hortaliças. “Porque a doença que atinge uma, não atinge a outra. Se quiser limpar a terra mesmo, é só plantar milho”, afirma.
A plantação é regada tanto por irrigação (específico para folhagem) quanto por gotejamento (o que ajuda a economizar água). “Nossa água vem de poço artesiano e de uma represa que também foi analisada”, confirma o presidente da cooperativa.
Para Antônio, depois de três anos produzindo – e consumindo – somente produtos orgânicos, a satisfação é grande. “Até porque eu estou tratando da minha família com alimentos 100% saudáveis, e eu não estou te fazendo mal. Se você comprar lá na feira, eu tenho minha consciência super tranquila. Não estou vendendo um produto que faz mal pra ninguém. Eu não estou jogando veneno na minha água, para a 500 metros levar pra rio nenhum. Então eu tenho a minha consciência super tranquila”.
SOCIEDADE ORGANICA
Foi outro gaúcho, mas desta vez já acostumado com o consumo de orgânicos, que teve a ideia de conseguir uma alternativa mais barata de alimentação e criou a ‘Sociedade Orgânica’, em janeiro de 2016.
Em parceria com a Cooperangi, ele criou uma empresa que leva à casa dos clientes, semanalmente, uma cesta com folhas, verduras, legumes, frutas, raízes e temperos, todos orgânicos. O cliente pode escolher entre a cesta ‘solteiro’, por R$200 por mês, a ‘casal’, por R$250 por mês, e a família, por R$290 por mês (quatro cestas a cada 30 dias).
Atualmente, a Sociedade distribui 96 cestas por semana, e todos os produtos são do Assentamento Agroana Girau. Além do espaço da Cooperangi, os produtores também plantam em outras áreas certificadas, como o próprio sítio de Luperini.
Moisés, que está no projeto desde o começo, assume que ainda tem muito que crescer. “A gente já melhorou muito e gradativamente vai melhorando isso, esse aumento de produção, aumento de variedade. Mas ainda é muito pouco em relação ao que as pessoas querem. Quem consome orgânico e vê a diferença de sabor, de qualidade, e da durabilidade que é significativamente maior”, afirma. “Estamos trabalhando pra ter uma suficiência na produção, e para atender realmente o que o cliente está consumindo, porque ele quer cada vez mais variedades, mais produtos, que é a grande dificuldade de encontrar no mercado”, finaliza.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
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