O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador considerado a inflação oficial do país, apresentou desaceleração em abril em relação a março. Com o avanço de 0,61% no mês, o país passou a ter uma inflação acumulada de 4,18% em 12 meses.
O índice está, atualmente, dentro do intervalo de tolerância da meta de inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3,25% em 2023. Ela é considerada cumprida caso encerre o ano entre o piso de 1,75% e o teto de 4,75%.
Mas as projeções de inflação mostram que o resultado deve voltar a romper o teto da meta ao longo do segundo semestre — o que pode resultar no terceiro ano seguido de estouro. A expectativa de especialistas ouvidos pelo g1 é que, a partir de julho, o índice acumulado de preços na janela de 12 meses volte a uma trajetória de alta, chegando a mais de 6% no fim do ano.
Um conjunto de fatores explica a situação. O primeiro deles é a base de comparação para o acumulado em 12 meses. No ano passado, os meses de julho, agosto e setembro apresentaram deflação por causa das desonerações de itens essenciais ao longo da corrida eleitoral.
Dessa forma, a expectativa é que, nas divulgações que acontecem ao longo do segundo semestre deste ano, a redução de impostos em itens importantes para a inflação comece a sair da contagem. Isso resulta, consequentemente, em um aumento do índice de inflação em 12 meses.
A grande "vilã" do segundo semestre, estimam os especialistas, será a gasolina, que se enquadra no grupo de preços administrados (entenda mais abaixo). Também entram na conta os aumentos de itens como medicamentos, alimentação fora de casa, vestuário e até as loterias.
O combate à inflação é a missão central do Banco Central do Brasil. Portanto, uma aceleração do índice traz mais incerteza sobre quando será possível baixar a taxa básica de juros do país, a Selic. Quanto mais altos os preços, maiores as chances de que o Comitê de Política Monetária (Copom) mantenha a taxa básica em níveis elevados em suas próximas reuniões.
A Selic está atualmente em 13,75% ao ano, e tem sido alvo de duras críticas por parte do governo Lula (PT), que acusa o BC de prejudicar o crescimento da economia brasileira ao encarecer o custo do crédito e ao desestimular investimentos. (entenda mais abaixo)
O que explica a alta no segundo semestre
A alta do IPCA nos últimos seis meses de 2023 deve ser potencializada pela forte influência dos chamados preços administrados – aqueles que são monitorados, dependem de algum órgão público ou incluem impostos e taxas, como os combustíveis e as contas de água e de luz.
O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, estima que os primeiros reflexos da alta desse conjunto de itens serão percebidos já na inflação de julho, com o forte impacto da gasolina.
Um dos motivos da alta do combustível é a padronização do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre os estados, que entrará em vigor em 1º de junho. A mudança estabelece a alíquota única tanto para a gasolina quanto para o álcool anidro, que é utilizado na composição da gasolina vendida nos postos.
Braz explica que, pelas estimativas, a gasolina pode subir mais de 10% em algumas cidades do país. O combustível tem grande peso sobre a inflação oficial, e compromete quase 5% do orçamento familiar.
"Isso significa que, para cada 1% de aumento que a gasolina apresenta, ela impacta a inflação oficial em 0,05 ponto percentual. Se for 10% [de aumento na gasolina], 0,5% [do IPCA] em julho pode vir só por conta da gasolina", calcula Braz.
O aumento no preço do combustível deve ocorrer mesmo diante do viés de baixa no preço do barril do petróleo no mercado internacional e da valorização do real frente ao dólar, acrescenta o economista, lembrando que o cenário também depende da política de preços praticada pela Petrobras.
A estatal baliza os valores das vendas às distribuidoras com base no preço de paridade de importação (PPI). A política oficial de preços da Petrobras foi criada em 2016, orientada pelas flutuações do preço do barril de petróleo no mercado internacional e pelo câmbio.
Renúncias fiscais
As renúncias fiscais adotadas em 2022, em meio à corrida eleitoral, causaram uma redução atípica nos preços ao longo do segundo semestre daquele ano. Um exemplo é a limitação do ICMS sobre combustíveis, conta de luz, comunicações e transportes, aprovado no mês de junho.
Os resultados foram três meses seguidos de deflação: julho (-0,68), agosto (-0,36) e setembro (-0,29), o que reduziu o acumulado inflacionário em 12 meses. Cenário que, no entanto, será bem diferente este ano.
"A gente não vai ver isso de novo em 2023. Muito pelo contrário. Existe agora a recuperação de impostos que foram cortados no último ano. E isso vai puxar a inflação para cima no segundo semestre", explica Braz, da FGV.
Além da volta dos tributos, o distanciamento dos resultados atípicos de 2022 é outro fator que vai influenciar no acumulado da inflação no segundo semestre de 2023, aponta Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP.
O economista explica que, com aqueles resultados saindo das contas, deve ocorrer naturalmente uma elevação da inflação acumulada no segundo semestre. O índice atual, portanto – na casa dos 4% na janela de 12 meses –, tende a ser o acumulado mais baixo do ano.
"Por que a inflação deve fechar o ano acima de 6%? Porque, no ano passado, houve fatores que seguraram artificialmente a inflação. Agora, há tributos que voltam. Portanto, pegamos uma parte da inflação que poderia ter acontecido no ano passado e está sendo jogada para este ano", diz Moreira. "E isso vai acontecer mais intensamente no segundo semestre."
Setor de serviços e reflexos da pandemia
A alimentação fora de casa também é item de destaque na alta da inflação. O aumento nos preços tem relação direta com a retomada das atividades, que se intensificou no segundo semestre de 2022, mas continua com força em 2023, após os picos da pandemia de Covid-19.
"Além da alimentação fora de domicílio, o [aumento de preços no próprio setor de] vestuário também reflete essa volta ao trabalho presencial. Portanto, os serviços associados a essa retomada devem continuar tendo reflexos nos preços represados", afirma Moreira, da Fipe/USP.
André Braz, da FGV, reforça que os serviços de maior peso no orçamento familiar são indexados (ou seja, sofrem reajustes de acordo com índices de períodos anteriores), como o aluguel residencial, mensalidade escolar e planos de saúde.
"Tudo isso carrega um pouco da inflação do ano anterior. Isso é ruim, porque cria uma persistência inflacionária maior em torno de serviços", diz. "A inflação de serviços está mais que o dobro do que a gente tem para a meta deste ano, que é de 3,25%."
O economista explica que o peso dos serviços no orçamento familiar é de 30%, enquanto os preços monitorados "engolem" 25% da renda.
"Então, temos mais da metade do orçamento familiar comprometido com coisas que não vão aliviar na inflação em 2023. Por isso, o Banco Central tem adiado o início de corte da taxa de juros", conclui Braz.
Outros reajustes
Os remédios também são lembrados pelos especialistas entre os itens em alta. Uma resolução do governo federal passou a permitir, já a partir de 31 de março, reajuste de até 5,6% nos preços dos medicamentos. Os valores podem ser repassados pelas farmácias de uma vez ou ao longo do ano.
Houve ainda o reajuste das loterias. Além da Mega-Sena e da Lotofácil, tiveram aumento a Quina, Lotomania, Timemania e Dia de Sorte. A alta, anunciada pela Caixa Econômica Federal no início de abril, foi de até 25% nos jogos, e passou a valer no fim do mesmo mês. A justificativa do banco foi justamente a recomposição dos valores diante da inflação.
"As loterias comprometem 1% do orçamento familiar. Elas estão no exemplo de preços monitorados e engrossam a lista de coisas que vão fazer esse grupo de despesas avançar este ano", complementa Braz.
O economista destaca ainda a alta das passagens aéreas, em meio à recuperação da mobilidade após as restrições impostas pela Covid-19. "As passagens já aumentaram mais de 40% em 12 meses", lembra.
Expectativa para a taxa de juros
A persistência da inflação é um dos principais fatores de influência para as decisões do Banco Central pela manutenção da taxa de juros do país. A Selic em 13,75% ao ano tem irritado particularmente o presidente Lula, que pressiona o BC pela queda no preço do crédito no país.
No último comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, em 3 de maio, a autoridade monetária não apenas manteve a taxa de juros inalterada como voltou a sinalizar que poderá “retomar o ciclo de ajuste”, caso necessário.
“O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária. O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, disse o texto.
Isso significa que o BC poderá voltar a aumentar a Selic em outro momento, se necessário. Porém, desta vez, o próprio Copom reconheceu, diferentemente do comunicado anterior, que este é um “cenário menos provável”.
O Comitê citou ainda as incertezas sobre o desenho do arcabouço fiscal, que deve ser discutido na Câmara dos Deputados na semana que vem. As próximas reuniões do Copom para decisão sobre a taxa de juros serão nos dias 20 e 21 de junho.