Fazenda em MT tem estrutura de cidade

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Sexta, 14 Junho 2019 | GloboRural
Escola, supermercado, igreja, quadra de esportes, clínica odontológica e estação de tratamento de esgoto. Não é exatamente numa cidade que moram cerca de mil pessoas com toda essa infraestrutura em Mato Grosso, mas sim na Fazenda Roncador, uma das maiores propriedades produtivas do mundo. “Isso aqui é uma prefeitura, com mais de 800 quilômetros de estradas aqui dentro, que a gente cuida com o nosso maquinário próprio”, diz Guilherme Alves da Silva, gerente da propriedade, mas que muito bem poderia ser chamado de prefeito. 
A área é pertencente ao Grupo Roncador, sócio de empresas como a companhia de concessões rodoviárias CCR, da construtora Serveng e da Zarvos, incorporadora de imóveis de alto padrão de São Paulo. O grupo ainda possui minas e usinas de beneficiamento de calcário, importante na recuperação do solo na agricultura.
A propriedade foi visitada pelo Caminhos da Safra 2019, na cidade de Querência, a 968 quilômetros da capital de Mato Grosso, na área de transição do Cerrado para a floresta Amazônica. Dos 1,2 milhões de hectares da cidade, 600 mil são reservas indígenas. E, dos 600 mil restantes, 153 mil hectares são ocupados pela Fazenda Roncador, área maior que toda a Região Metropolitana de São Paulo. Da primeira à última lavoura, a extensão é de 120 quilômetros. Só do centro da cidade até a administração da fazenda são nada menos que 64 quilômetros de distância em estrada de terra. Ao perguntarmos a um borracheiro na cidade o caminho da estrada, ele respondeu: “pode torá aí!”
A cidade de Querência também impressiona à primeira vista por temas que são caros ao Brasil contemporâneo: o número de igrejas e a exuberância das concessionárias de tratores e colheitadeiras. A cidade fundada por gaúchos, que mantém suas tradições em um (Centro de Tradições Gaúchas (CTG), com articulações na cidade e no País, experimentou a crise que o Brasil viveu há cinco anos e se reergueu com a escalada do preço da soja, levando os produtores a migrarem da pecuária para a agricultura. Criada na década de 1970, a Roncador quis trilhar esse caminho de uma forma diferente. Há 11 anos, o grupo decidiu aderir ao sistema de integração lavoura-pecuária, iniciando plantações de soja, mas mantendo o gado. A floresta plantada, além de gerar renda, também faz sombra e garante bem-estar ao rebanho.
“Por causa da soja a cidade voltou a crescer. Antes era tudo fazenda de gado”, explica a catarinense Ivanilde Querobin, sócia da fazenda Luar da Mata Irmãos Candiotto, que fez a mesma transição do boi para a soja e a safrinha de milho em 3 mil hectares. Com a prosperidade da plantação, ela e o marido Igor Candiotto investiram em dois hotéis, um dos quais a reportagem da Globo Rural se hospedou. E a propriedade deve se expandir, com a compra de terras vizinhas.
A cidade, que tem um lago muito bonito na entrada, é planejada para crescer ainda mais. Há quadras e quadras de terrenos vazios mas com energia elétrica, com postes iluminando o mato, e asfalto. Em uma pizzaria, a mais badalada do local, grandes posteres na parede mostram imagens de aviões que pulverizam plantações, tratores e grãos. A música sertaneja tem grande influência, seja em alto falantes luminosos ou em duplas que cantam nas mesas dos bares com violão de corda de aço. Apesar das caminhonetes, que na maioria das vezes corta o asfalto ou a estrada de terra em altas velocidades, a população também utiliza muito bicicletas e e-bikes (bicicletas elétricas).
Silva, o gerente, não revela o faturamento da fazenda, mas explica que 90% do dinheiro do grupo destinado a investimentos são aplicados no agronegócio. “O agronegócio tem porcentual menor que outros negócios, mas é o que está na crista da onda”, diz. A implantação de uma gestão empresarial profissional deu um impulso ao negócio até então familiar, comandado por Pelerson Penido até a sua morte, em 2012.
A fazenda manteve praticamente estável a produção de carne em 5 mil toneladas desde 2009, mas viu disparar a produção de soja ano a ano. Em 2014, a produção do grão foi de 45.010 toneladas; em 2018, cresceu para 156.338; e a projeção para 2019 é de crescer 6,3% para 166.256 toneladas. Isso porque 6 mil hectares de pastagens estão sendo preparadas agora para produzir soja. O número do rebanho caiu de 120 mil cabeças para 60 mil em dez anos. 
A manutenção da produtividade de carne decorre da genética animal, resultando do cruzamento de um touro espanhol com zebuínos, o chamado Rubia Gallega. Hoje, o gado fica pronto para abate em um ano, enquanto na maioria das fazendas isso ocorre com até três anos.
Essa grande cidade rural ainda tem uma reserva legal de floresta nativa de 72 mil hectares. Silva afirma que não foi preciso derrubar uma árvore sequer para imprimir seu ritmo de crescimento na produção agrícola. “Estamos como um exemplo de dez anos que não desmatamos, não derrubamos uma árvore. E nossa produção de alimentos cresceu. Tem que ter aporte financeiro para ter equipamentos mais eficientes e investir na inteligência do negócio para ser mais competitivo, não é abrir novas áreas, porque isso vai incentivar a especulação imobiliária. E nossos clientes da China e da Europa são contra o desmatamento. Isso pode aumentar nosso parque de produção, mas se você não conseguir vender não faz muito sentido.”
Jovem líder
Além de alta tecnologia, com monitoramento dos tratores e colheitadeiras online e usando imagens de satélite, Silva, de 32 anos, é um exemplo de liderança jovem com uma nova mentalidade. Aos 32 anos ele destoa da maioria dos líderes do setor, que mal consegue ouvir a palavra ONG, entidades que são vistas quase como vilãs pelo atual governo de extrema direita. A Fazenda Roncador tem projetos com ONGs e preserva em sua floresta onças pintadas. Ao ano, cerca de mil vacas são mortas pelos felinos.
Quem paga o prejuízo é o cliente, mas com satisfação ao saber que esse recurso estaria cobrindo as perdas com os ataques das onças, que são preservadas. “Somos amigos da onça”, diz. A fazenda está patrocinando uma pesquisa da Embrapa sobre emissão de dióxido de carbono no setor agropecuário. A causa ambiental é vista por Silva como um investimento para deixar à sociedade um legado ambiental e de desenvolvimento sustentável.
Sobre a pavimentação da BR-242, que deve beirar os limites do Parque do Xingu, Silva diz que  “tudo vai da gestão do que será feito lá. O que são 15 metros de largura em cima de um parque desse? Fisicamente ela [a estrada] não provoca impacto. Da mesma forma que estamos adentrando uma terra indígena, o índio também vai na cidade. No supermercado de Querência, há indígenas.”
Onças-pintadas se alimentam de cerca de 1 mil vacas por ano na fazenda.(Foto: Fernando Martinho)
Sobre a cobrança de pedágios nessa rodovia, para reverter os recursos às aldeias do Xingu, o gerente da fazenda diz que "toda política inteligente é bem aceita. Qual mal em pagar um negócio que vai nos beneficiar? Todos os pedágios que você paga em São Paulo são para te dar uma via mais conservada, com segurança e agilidade. Qual o problema de ter um acesso melhor, estrada boa? E que esse dinheiro, além de cobrir os gastos de manutenção, ajude uma instituição ou alguma outra coisa. Não vejo problema nenhum. Você está pagando por um benefício.”

 

 
 
 
 
 
 
 
 
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