O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o retorno do inquérito contra o deputado federal Neri Geller (PSD) e sua esposa Judite Maria Piccini para a 21ª Zona Eleitoral de Mato Grosso para dar seguimento às investigações por suposta prática de compra de votos e posse de munição de arma de fogo de uso permitido em seu local de trabalho.
A decisão foi proferida pelo ministro Celso de Mello na sexta-feira (15) passada. De acordo com o narrado nos autos dessa investigação, a imputação desses crimes recairiam sobre os ombros de Judite, que teria praticado as ilegalidades no Auto Posto Geller, no dia 30 de setembro de 2016, na cidade de Lucas do Rio Verde (distante 332 quilômetros de Cuiabá), e, portanto, seu marido não estaria enquadrado em prerrogativa de foro e função.
“O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. A prerrogativa de foro, como anteriormente enfatizado, é outorgada ratione muneris, por efeito de previsão constitucional, a determinadas autoridades, a significar, portanto, que é deferida, tão somente, em razão da natureza de certos cargos ou ofícios titularizados por aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado e, mesmo assim, consoante advertiu esta Corte no precedente referido, desde que a suposta prática delituosa, alegadamente cometida durante o mandato legislativo (ou, então, no curso de investidura funcional), com estes guarde necessária conexão, sob pena de tal prerrogativa – descaracterizando-se em sua essência mesma – degradar-se à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal”, considerou o ministro.
Tudo começou depois do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pela 21ª ZE por força da apuração de indícios de distribuição de tickets de combustível do Posto Geller a pessoas em Lucas durante as eleições 2016. Na ocasião, o deputado apoiava a candidatura do prefeito Luiz Binotti (PSD).
Na busca, agentes da PJC (Polícia Judiciária Civil) encontraram duas listas de autorização e abastecimento, santinhos e folders do prefeito Binotti e da vereadora Rosângela dos Santos, além de notas fiscais em nome de populares e de candidatos.
Também foram encontradas 19 munições calibre 38 em uma sacola plástica guardada dentro da gaveta de uma das mesas de trabalho do escritório do posto. O chefe da operação relatou que Judite Maria Piccini disse que as balas eram de seu marido, deputado federal e sócio no posto, Neri Geller, mas ela assumiria a posse porque era a proprietária do lugar.
Durante o interrogatório, entretanto, a esposa de Geller informou que não tinha conhecimento de que a munição estava lá e que “podia” pertencer ao marido ou aos arrendatários do posto. Foi o motivo dela acabar indiciada pelo crime de posse ilegal de munição e compra de votos.
No relatório da PJC, também foi acostado que em depoimentos os funcionários admitiram a existência de uma lista com números de placas, nomes de pessoas e candidatos a vereador autorizados a abastecer no posto, desde que trouxessem nos carros adesivos do candidato Binotti. Cada um dentro desses requisitos teriam direito a 10 litros de combustível.
Todos os autorizados seriam componentes da campanha da Coligação 55 - Mudança e Segurança e todos esses abastecimentos geraram notas fiscais. Já os santinhos achados no posto não teriam autorização para distribui-los, porque clientes trabalhadores de lados opostos na mesma campanha abasteciam ali.
Judite Maria Piccini garantiu esses abastecimentos foram legalmente realizados e a emissão de notas fiscais e CNPJ dos candidatos comprovariam isso. Ela também garantiu que não sabia de lista de placas das frotas ou da planilha com nomes autorizados porque isso era de responsabilidade de seus gerentes Vilmar e Nivaldo.
IMPASSE
Perante o impasse, a PJC não possuía mais recursos para analisar o material apreendido. Remetido o boletim de ocorrência e documentação do inquérito, o MPF (Ministério Público Federal, subdivisão Eleitoral) pediu à Justiça Eleitoral que enviasse os autos à Polícia Federal para manter a investigação. A PF emitiu então um relatório ao juiz da 21ª Zona Eleitoral, Cristiano dos Santos Fialho.
Ele, por sua vez, determinou o repasse ao STF argumentando que o deputado federal Neri Geller possui, como eleito, prerrogativa de função e foro. Marco Aurélio Melo acatou parecer da PGR (Procuradoria Geral da República) no qual consta que ele assumiu como suplente um mandato de deputado federal na legislatura 2007-2011, entre 02 de abril de 2007 e 1º de agosto de 2007.
Depois, na legislatura 2011-2015, entre 02 de fevereiro de 2011 e 26 de outubro de 2011, até que enfim foi eleito e tomou posse como titular a partir do dia 1º de fevereiro de 2019, portanto, os fatos precedem o início do mandato efetivo dele como deputado federal, pois este começou apenas em fevereiro do ano passado, enquanto os fatos narrados remetem a 30 de setembro de 2016, período em que Geller não tinha mandato algum.
Ademais, os fatos seriam totalmente avessos “e divorciados do exercício de suas funções parlamentares” e os fatos investigados não possuem relação de pertinência com o exercício do mandato de deputado federal e não guardam contemporaneidade com o mandato parlamentar.
“Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, a manifestação do eminente Senhor Vice-Procurador-Geral da República reconheço cessada, na espécie, a competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar este procedimento penal e determino, em consequência, a devolução dos presentes autos, por intermédio do E. Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, ao Juízo da 21ª Zona Eleitoral do Estado de Mato Grosso”, encerrou.