Justiça manda suspender posse de deputado como conselheiro em MT

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Sábado, 23 Fevereiro 2019 | FolhaMax
O juiz Bruno D’Oliveira Marques, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular, determinou que o governador Mauro Mendes (DEM) e o Tribunal de Contas do Estado suspendam, respectivamente, os atos de nomeação e posse do deputado estadual Guilherme Maluf (PSDB) como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. A decisão atende solicitação do Ministério Público Estadual, que pleiteou a liminar no início da tarde.

Na decisão, o magistrado acatou os argumentos de que o parlamentar estadual não possui os requisitos necessários para assumir o cargo de juiz de contas, principalmente reputação ilibada e o notório saber jurídico, contábil e econômico. "Portanto, na hipótese em tela, diante do contexto fáticojurídico, conclusão pela ausência de preenchimento dos requisitos pelo requerido para ocupação do cargo postulado, razão pela qual entendo presente o requisito da probabilidade do direito", diz trecho da decisão.

Guilherme Maluf teve sua indicação aprovada pela Assembleia Legislativa nesta quinta-feira (22) ao receber o voto favorável de 13 deputados. Ele aguardava o governador Mauro Mendes (DEM) referendar a indicação para que o TCE preparasse a posse.

Para fundamentar a decisão, D’Oliveira Marques lembra a nova sistemática processual, que considera a tutela provisória possível de ser fundamentada em urgência ou evidência, de modo que a tutela provisória de urgência pode ser de natureza cautelar ou satisfativa e ser  concedida em caráter antecedente ou incidental. “No que se refere especificamente à tutela de urgência, o regime geral está preconizado nos artigos 300 e 301 do Código de Processo civil, que unificou os pressupostos fundamentais para sua concessão, seja na sua natureza satisfativa seja na cautelar”.

Após citar jurisprudência e decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal, o juiz lembra que a concessão de tutela antecipada em ação civil pública exige a presença de requisitos legais robustos e específicos: probabilidade do direito, inexistência de perigo de irreversibilidade do provimento a ser concedido e, finalmente, um dos requisitos alternativos, como receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, contra atos de poder público a antecipação de tutela só cabe quando não esgota “no todo ou em parte” o objeto da ação e isso se aplica a qualquer procedimento comum ou especial, a qualquer processo ou grau de jurisdição, “desde que a regra especial não conte com a previsão expressa para prover as tutelas de urgência” e a concessão destas está prevista também na lei de ação civil pública (lei número 7.347/85, em seus artigos quatro e 12).

O juiz argumenta que a não concessão da liminar é que levaria no perecimento dos objetos da ação proposta pelo MPE, pois caso Guilherme Antônio Maluf tomasse posse, outra ação teria de ser aberta porque já não mais impeditiva, mas de contestação do ato em si, qual seja a nomeação e posse do deputado como conselheiro do TCE. “Por essa mesma razão, afasto a norma infraconstitucional que impõe a oitiva do Poder Público anteriormente à análise do pleito liminar, sob pena de o controle de legalidade do ato de indicação ser efetuado após a nomeação e posse do escolhido, em ofensa à segurança jurídica e, principalmente, a efetividade da jurisdição”, pontuou.

Na decisão, o magistrado ainda analisou os conceitos de “idoneidade moral” e “reputação ilibada”, termos presentes na constituição estadual como requisitos para preenchimento da vaga pleiteada por Guilherme Maluf. O juiz explica que jamais poderia ser considerado de "idoneidade moral e reputação ilibada" alguém com condenação (judicial ou prolatada por tribunal de contas) já transitada em julgado, mormente se o objeto da condenação diz respeito ao uso de dinheiro público. Por outro lado, situação mais difícil de se aferir é aquela em que, como analisado, não há condenação, nem trânsito em julgado, mas tão somente instauração de ação penal em face do indicado ao cargo.

“Nessas situações, poder-se-ia cogitar que a vedação do acesso ao cargo configuraria violação ao princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF), o qual, muito embora se trate de um princípio afeto à seara penal, já se expandiu para outros domínios, tais como o direito administrativo, que rege a controvérsia ora em exame. Não obstante, a solução da questão é hermenêutica e passa por uma ponderação entre os princípios da presunção de inocência e o da moralidade administrativa, que impõe aos agentes públicos o dever geral de boa administração, do qual decorrem, entre outros, os imperativos de honestidade, atuação vinculada ao interesse público e boa-fé. Destarte, em que pese o conceito de “reputação ilibada” seja indeterminado, a imposição de requisitos mínimos condizentes com a relevância do cargo a ser exercido se justifica e prepondera sobre a “presunção de inocência”, ensinou.

Daí em diante ele cita o STF, por meio do ministro Roberto Barroso, para dizer que certos cargos pressupõem um controle de idoneidade moral mais estrito em razão das atribuições envolvidas e em princípio incompatíveis com quaisquer condenações criminais, salvo casos excepcionais. Entre esses cargos de vedação mais rigorosa estão as carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça (ministério público, advocacia pública e defensoria pública) e da segurança pública, por serem agentes da lei e exatamente por isso espera-se que eles apliquem não só aos cidadãos os rigores da lei, mas acima de tudo que a eles também se submetam. Sendo essa condição moral básica para exigir de outros o cumprimento da lei. Em resumo: como cobrar dos outros uma lei que o próprio cobrador não respeita?

“Exatamente essa a hipótese dos autos, em que os documentos acostados à exordial dão conta de que, contra o requerido indicado, pesa denúncia que lhe imputa a prática de 23 (vinte e três) graves crimes, cuja conduta típica detém relação direta de incompatibilidade com o cargo a ser exercido (...). Corrobora contra a indicação do requerido ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas o fato da referida denúncia ter sido recebida pela unanimidade do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, o que demonstra que existem fortes indícios de autoria em face do indicado, além de prova da materialidade delitiva. Portanto, não há que se falar em violação ao princípio da presunção de inocência, o qual, a todas as luzes, não pode ter alcance na hipótese vertente, sob pena de, engessando-se o uso razoável do mérito administrativo, inviabilizar-se a defesa do interesse público sobre o particular”, escreveu, caminhando pelo mesmo rigor utilizado pelos promotores do MPE.

E o tom piora quando o juiz Bruno D’Oliveira Marques lembra que não há como considerar pessoa de reputação ilibada alguém sobre cuja cabeça pesam suspeitas fundamentadas de comportamento avesso ao bem público.  “Destarte, não pode ser considerado dono de reputação ilibada aquele sobre o qual pesa não só um processo judicial, mas também um processo administrativo de tomada de contas que visa apurar a malversação de dinheiro público, como é o caso do requerido Guilherme Antônio Maluf”.

Logo depois, o juiz também lembra que não há comprovação convincente dos notórios saberes exigidos. Tudo isso só piora quando se considera a pressa com que se deram a indicação, sabatina, aprovação e recomendação de entrega do cargo para Maluf. “No que se refere ao requisito do perigo de dano, reputo-o também presente, na medida em que, dada a condução nitidamente acelerada do procedimento de indicação pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o requerido, mesmo não preenchendo os requisitos legais para tanto, está prestes a ser nomeado a tão importante cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, no qual será imbuído da conspícua função de julgar a legalidade da prestação de contas de agentes públicos”, assinala.

Por fim, o juiz acata o pedido de tutela de urgência e determina que o Estado de Mato Grosso, na figura do governador Mauro Mendes Ferreira (DEM) e do presidente do TCE, Gonçalo Domingos de Campos Neto, se abstenham de nomear e dar posse ao deputado indicado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso ao cargo vitalício de conselheiro do TCE, “sob pena de execução específica, sem prejuízo de apuração de responsabilização civil e criminal”.

Ele deu um prazo de 15 dias para contestação por parte de Guilherme Maluf, que ainda não informou se vai ou não recorrer da sentença.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
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