A devolução do direito de exercício da magistratura ao juiz Paulo Martini pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quinta-feira (27) sob a acusação de ter pedido um trator CBT com lâmina, avaliado em R$ 30 mil, para conceder uma liminar favorável a um casal cliente do advogado Celso Souza Lins e de ter pedido a este outros R$ 7 mil para "tramitar" outra ação, visa corrigir um erro do Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso, disse o relator da matéria no STJ, Jorge Mussi. Conforme a decisão publicada na sexta-feira (28), o próprio acusador, o advogado Celso Souza Lins, admitira sua animosidade contra o juiz e uma das três testemunhas chegou a revelar que houve uma reunião feita entre todos para tramar o afastamento de Martini.
Também ficou comprovado que não era possível fazer ligações para celular a partir do fórum da cidade de Sinop (distante 480 quilômetros de Cuiabá), onde teria ocorrido os pedidos de propina, mas tudo isso foi ignorado pela relatora da pauta no Tribunal de Justilça de Mato GRosso, a desembargadora Maria Aparecida Ribeiro.Segundo consta dos autos, marido e mulher, clientes de Celso, moviam uma ação de busca e apreensão e, como a proposta não foi aceita pelo advogado, o juiz teria telefonado e feito nova tratativa, agora para trocar R$ 7 mil para tramitar outro processo que corria na Primeira Vara Cível de Sinop.
Disse que, além de recusar, resolveu denunciar as tratativas. Processado pelo Ministério Público, Martini acabou condenado pelo TJ a dois anos, sete meses e 15 dias de reclusão em regime aberto e pagamento de 100 dias-multa, perda do cargo e afastamento imediato da função.
Como o juiz recorreu da sentença, a pena de restrição de liberdade foi convertida em restrição de direitos, mas as sanções foram mantidas. Na percepção do ministro relator da matéria no STJ, o TJ deixou de levar em consideração diversas questões relevantes suscitadas nos memoriais finais, como provas a revelar a impossibilidade de se fazer ligações telefônicas a celular a partir dos ramais do Fórum da Comarca de Sinop, conforme acusou o advogado, além do fato de que é conhecida a “animosidade” entre Celso Souza Lins mais duas testemunhas de acusação contra o juiz Paulo Martini.
O próprio Celso teria protocolado declaração afirmando que a atitude adotada na representação foi açodada e influenciada por terceiras pessoas e que o juiz nunca lhe solicitou bem ou valor para despachar qualquer processo. Além disso, o TJ indeferiu a juntada desse documento sob o fundamento de que, iniciado o julgamento, não pode haver tal procedimento, contrariando assim o artigo 231 do Código de Processo Penal (CPP), que diz “salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo”.
Segundo o ministro, os desembargadores repetiram o erro ao negar os embargos de declaração interpostos para reapresentar a documentação alegando que o óbice aventado pelo colegiado não mais existia. Procedimento idêntico, continuou Mussi em sua decisão, foi adotado na seara administrativa, onde foi afastada qualquer responsabilidade.
Logo, não haveria outro resultado possível na ação penal. Também a pena-base foi aumentada sem fundamentação idônea, continuou o relator, afrontando o artigo 59 do Código Penal porque o fato do réu ser juiz contou contra ele.
À tese de que as alegações seriam verdadeiras porque havia duas ligações de Paulo Martini a Celso Souza Lins, o ministro considerou a ideia temerária e passível de contestação porque sabidamente quem realizou as ligações fora um assessor. “A prova foi realizada, porém não foi considerada pela desembargadora relatora [Maria Aparecida Ribeiro], que indaga acerca de falta de provas que atestem a ocorrência de outras ligações telefônicas para aparelhos celulares de outros causídicos, ou de arrolamento de outros magistrados da comarca aptos a comprovar que os telefones fixos realmente não faziam chamadas para aparelhos celulares, ou mesmo de certidão da diretoria do Fórum atestando que os telefones não faziam esse tipo de ligação, desqualificando, ainda, o depoimento do advogado Abraão Lincoln de Laet que afirmou ser comum receber ligações do Fórum para tratar de audiências, concluindo que a prática usual é a ligação ocorrer por parte de servidores utilizando os terminais telefônicos fixos disponíveis na repartição, nunca por parte do aparelho celular particular”, escreveu o ministro, considerando o nono vogal, Sebastião de Moraes Filho, que apontou isso durante o julgamento mas foi vencido na decisão final.
Conforme Mussi, foi possível verificar a existência de diversos vícios no julgamento, como o ignorar da prévia má relação existente entre Celso e as testemunhas com o juiz, com elas afirmando isso inclusive, além do depoimento de uma terceira pessoa, Marcos Bervig, que teria sido procurado pelo advogado para formar um grupo e assim afastar o réu daquela comarca. “E apesar de haver depoimentos declarando a falta de caráter do denunciante Celso Souza Lins, bem como da negativa do réu acerca da prática dos atos ilícitos a ele imputados, alegando que as acusações decorreriam de ressentimento do advogado Sidney Marques contra ele, a desembargadora relatora entendeu que a versão da defesa não se mostrava coerente com as provas careadas nos autos, deixando, no entanto, de valorar a existência da animosidade entre os envolvidos”, entendeu o ministro.
Por fim, Mussi considerou que a declaração firmada pelo acusador do réu não poderia ser considerada protelatória e por isso deveria ser admitida nos autos porque tornava evidente a contradição, omissão e ambiguidade na análise dos elementos de prova utilizados para a condenação, mesmo que devidamente invocadas nos votos divergentes e ignoradas no voto da relatora e pelo revisor sem serem enfrentadas pela maioria votante. “Assim, deve ser dado provimento ao recurso especial para que a Corte a quo analise, de forma minuciosa, todos os elementos de provas constantes nos autos, afastando os vícios aqui apontados, com a devida consideração da declaração prestada por Celso em retratação, ficando prejudicado o exame das demais violações apontadas pelo ora recorrente. Ante o exposto, com fundamento no artigo 255, parágrafo quarto, inciso III, do regimento interno do STJ, dá-se provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos à corte de origem para que se manifeste sobre as questões suscitadas pela defesa no recurso integrativo – relativamente às provas que revelaram a impossibilidade de realização de ligações para telefones celulares a partir dos ramais do Fórum da Comarca de Sinop-MT e a prévia animosidade entre o acusado e o denunciante/noticiante Celso Souza Lins e duas testemunhas de acusação --, bem como para que proceda á juntada e à análise do documento em que há a retratação do advogado noticiante, ficando prejudicado o exame das demais violações apontadas pelo recorrente”, encerrou.