Ex-ministro Barbosa diz em palestra que Dilma perdeu elo com população
O ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, disse nesta segunda, após palestra em Rondonópolis, em resposta a uma pergunta feita pelo portal Rdnews sobre o governo da presidente Dilma Rousseff, que a petista não soube exercer a legitimidade do mandato na hora de tomar decisões, frustrando a expectativa da população. "Ao tomar decisões erradas, que contrariavam o senso comum, ela foi perdendo esse elo, essa ligação direta que há entre o chefe de Estado e o eleitorado, que o elege. Essa relação foi paulatinamente sendo minada, a meu ver, pelo fato de que a presidente não soube se posicionar correntemente à medida que os fatos, que a população julga importante, evoluíram".
A palestra de Barbosa abriu a Vitrine Agropec, na 43º Exposul. Foi marcada por duros apontamentos do ex-ministro aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Joaquim Barbosa, que se tornou uma referência no combate à corrupção e mandou mensaleiros para a cadeia, iniciou a apresentação fazendo um panorama da democracia brasileira, desde a época em que mulheres e os menos abastados não tinham direto ao voto, até os dias atuais, em que o país tem aproximadamente 140 milhões de votantes.
As cerca de 750 pessoas na plateia, entre produtores rurais, patrocinadores, estudantes e moradores de Rondonópolis, acompanharam a palestra atentamente. Começou com 40 minutos de atraso, mas isso não influenciou na harmoniosa receptividade. O público acompanhou cada detalhe da fala do ex-ministro e o aplaudiu avidamente, principalmente quando ele criticou o tempo excessivo destinado às campanhas eleitorais televisionadas.
A apresentação marca o início da Vitrine Agropec, evento aberto ao público. Por isso, não foi cobrada entrada dos participantes. Já o valor da palestra não foi informado pela organização, mas estima-se em torno de R$ 100 mil. O ex-ministro citou a fala de um cientista político e chegou a dizer que em outros tempos, quando a participação da população na cidadania era restrita, o Brasil era país sem povo.
Em seguida, emplaca a frase que costuma dizer em suas palestras. “Somos um Estado democrático de direito, isso quer dizer que os cidadãos não se submetem, não são vassalos do governo da vez”. O ex-ministro ressalta que a sociedade não é obrigada a fazer absolutamente nada, senão o que está previsto em lei. “O que manda é a lei e não a vontade desse ou aquele personagem político por mais importante que seja”.
Joaquim Barbosa avalia que o presidencialismo brasileiro é um sistema de múltiplos confrontos. Segundo ele, os órgãos foram concebidos para que um controle o outro, gerando assim uma preponderância do poder Executivo em relação ao Legislativo. “Nosso presidente não é um senhor absoluto, tem que agir em harmonia com os outros Poderes”, ressalta o ex-presidente do Supremo e relator do processo do Mensalão.
O ministro aposentado usa o exemplo dos Estados Unidos, onde essa preponderância ocorre não só pela enorme carga de legitimidade, mas pelo peso internacional que aquele país tem. “Mas curiosamente o executivo (brasileiro) tem preponderância maior sobre o Legislativo. A exemplo das normas com força de lei que terão vigência sobre o povo até que o Congresso as aprove ou desaprove, são as chamadas medidas provisórias”.
Ele destaca que um presidente deve ter virtudes que façam dele um líder capaz de compreender a necessidade da população. “Quando o presidente não tem essas virtudes perde a estima dos cidadãos. É absolutamente necessário que emanem virtudes do presidente. Se ele toma outro rumo ele joga o país em convulsão, em instabilidade e em turbulência politica".
Nesta linha, avalia que também é de extrema importância que haja neutralidade nas decisões tomadas pelo Congresso, pois ele é o responsável por votar as leis necessárias às governanças do país e exercer o controle político das atividades do Executivo.
Ao que parece, os produtores rurais também não escaparam das criticas do ministro. Quando discorreu sobre patrimonialismo, Joaquim disse que a prática insiste em dar o tom em parcela da economia. Existe uma “excessiva dependência do fomento governamental. Alguns desses setores, privilegiados em razão do acesso que tem às instituições de apoio do governo financeiro, esperam que o Estado lhes forneça garantias análogas às redes de proteção que na democracia são criadas para proteger as pessoas mais fracas”, dispara. E conclui que o país ainda está construindo seus conceitos de políticas públicas.
Em determinado momento, o ex-ministro lança uma pergunta à plateia: “Vale a pena pedir socorro ao Judiciário para atender nossos direitos?”. Em seguida, faz apontamentos sobre a morosidade dos processos, mas reconhece que houve avanço nos últimos anos. “O mais importante é o que ocorre na Justiça Federal, o chamado processo eletrônico. No âmbito do STF, em boa parcela da Justiça Federal, os processos são tratados de maneira eletrônica”.
Más escolhas
O ministro aposentado do STF observa que “o Poder Judiciário não é o remédio para corrigir as escolhas políticas ruins, pelas escolhas mal feitas pelos cidadãos ou seus representantes”. Para ele, não faz parte do Judiciário corrigir políticas públicas com as quais a população não concorda, ainda que sejam ruins. Segue afirmando que o Judiciário deve se pautar pelo respeito às leis. Se o hábito de um governo é ruim, contrário à lei nesse caso, pode ser acionado, mas se for de acordo com a lei nada pode fazer. “A culpa pela má escolha feita pelo cidadão é do conjunto que fez aquela má escolha”, diz Barbosa, sob fortes aplausos.
O evento foi realizado no pavilhão de palestras do parque de exposições Wilmar Peres de Farias. Comporta uma média de 750 pessoas. E pelo menos 250 lugares foram ocupados por patrocinadores, produtores rurais e representantes de entidades do setor. Outros 400 foram destinados a moradores de Rondonópolis e arredores, que se inscreveram pela internet. Segundo informações da organização do evento, as inscrições encerraram em menos de 30 minutos.
Aproximadamente 100 estudantes também prestigiaram a apresentação. Não houve critério de seleção para a população, nem para os alunos. Três telões foram instalados pelo parque de exposições para aqueles que não conseguiram entrar no pavilhão.
Ausências
O governador Pedro Taques (PDT), que era aguardado para assistir a palestra, não esteve presente, por estar percorrendo nove municípios na região do Araguaia. O prefeito Percival Muniz (PPS), por sua vez, a exemplo da abertura da Exposul, enviou como representante, o vice-prefeito Rogério Salles (PSDB), que é produtor rural.
Joaquim Barbosa chegou a Rondonópolis por volta de 1h20 desta segunda (10). O voo partiu de Ribeirão Preto (SP) e outros jornalistas também desembarcaram no município. De acordo com a organização, o ministro aposentado não sofreu assédio da imprensa durante o voo. Um dos motivos seria porque ele estava usando uma boina, o que dificultou que os profissionais o reconhecessem.
Entre as lideranças, estiveram presentes à palestra o senador Wellington Fagundes, o presidente do Sindicato Rural de Rondonópolis, Francisco de Castro, o Chico da Paulicéia, o vereador Milton Mutum (PSD), o presidente da Câmara Municipal, Lourisvaldo Manoel de Oliveira, o Fulô (PMDB), o gerente local da Embrapa, Valter José Peters, o vice-presidente da Fiemt, Mauro Cabral, e o diretor da Aprosoja, José Resende e ainda representantes de entidades, como Sicredi, OAB-MT e Fundação MT.