O professor da UFMT, Naldson Ramos, é doutor em sociologia com foco em violência policial, segurança pública e práticas civilizatórias. Há cerca de 30 anos ele pesquisa a criminalidade. Diz que, em Mato Grosso a situação é diferente dos estados do Norte e Nordeste. Aqui o CV tem o controle majoritário dos presídios. “Temos uma pequena parcela do PCC, que é o Primeiro Comando da Capital, que em muitos lugares do país, faz rivalidade com o Comando Vermelho, mas eles não têm o poder que o CV tem. A massa carcerária é ligada ao CV”, explica.
Crime organizado e estatísticas
Para entender essa questão, uma pergunta deve ser respondida: o que tem o crime organizado com a criminalidade no Estado?
Dentro dos presídios bandidos de alta periculosidade comandam o latrocínio e o tráfico de drogas, que de alguma forma entrarem no território deles, do lado de fora.
“Eles que mandam executar pessoas que por algum motivo feriram o estatuto da facção” Naldson Ramos, pesquisador da UFMT
"São eles que mandam executar pessoas que por algum motivo feriram o estatuto da facção. Eles acabam sendo julgados. Um exemplo disso são aquelas meninas que foram mortas e jogadas dentro do rio (em outubro do ano passado). Aquilo foi uma ordenação do CV”, memora.
Mas os números veem caindo quando se analisa o período mais recente. Nos dois últimos anos pesquisados, houve uma redução de 7,7% de homicídios em Mato Grosso. A porcentagem está acima da média nacional que registrou alta de 4,2%.
“Entre 2017 e o ano passado houve uma queda significativa nos homicídios em Mato Grosso. Na contramão do crime organizado, houve uma repressão grande quanto às pessoas que estão fora da cadeia e investimentos na segurança publica. Foi criado a Região Integrada de Segurança Pública (Risp), que passou a ter um trabalho de controle sobre o que acontece em cada região. Cobrando de delegados regionais e comandos regionais a pronta resposta do trabalho de inteligência. Isso facilita muito, pois não era feito anteriormente”, detalha o pesquisador.
Ele aponta também a desarticulação de organização criminosa formada para prática de crimes de homicídios com fins meramente financeiros.
A Operação Mercenários, deflagrada em 2016, levou à prisão de 17 membros da quadrilha, que tiveram os mandados de prisão temporária decretados pela 1ª Vara Criminal de Várzea Grande. Entre os presos estão seis policiais militares, seis vigilantes, dois mandantes, dois informantes e um gerente de uma empresa. Todos foram presos em Cuiabá e Várzea Grande. "O número de homicidios práticados por essa organização também está aclopado nesses dados. E com a prisão e desarticulação deles, isso ajudou na redução das mortes", pondera.
O estudo aponta uma tendência de queda não só em Mato Grosso, mas para todo o país. No Estado, os números não foram tão expressivos, como em outros Estados da região norte e nordeste, que viram explodir depois das duas maiores facções do país – o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) – declararem uma “guerra aberta” que culminou em rebeliões em presídios e assassinatos no Brasil. Mas a participação em organizações criminosas explica a elevada persistência da taxa de óbitos no país.
Para o Ipea, a guerra “conspirou contra o processo de diminuição de homicídios que estava em curso, desde 2010 na maioria dos Estados” e fez com que a taxa de homicídios aumentasse para 4,2% ao ano. O crescimento refletiu a “tensão na disputa” entre organizações pelo domínio de mercados e novas rotas para o tráfico internacional de entorpecentes.
Foram 65.602 homicídios de homens e mulheres no país ainda em 2017. Para o Ipea, o número é o maior “histórico de letalidade violenta intencional”. O caso é mais agravante para os jovens: 59,1% do total de óbitos são de rapazes entre 15 a 19 anos.
Em nota, a secretária de Estado de Segurança Pública (Sesp) apontou que as estruturas das forças de segurança pública e unidades especializadas atuam no trabalho ostensivo e de investigação no combate à influência de grupos criminosos.
Além disso, o Sistema Penitenciário atua, com base em estudos técnicos do setor de inteligência, no fornecimento de informações para subsidiar investigações sobre tais grupos criminosos e fazer enfrentamento. As unidades prisionais contam ainda com corpo de profissionais qualificados e treinados para agir em qualquer situação de intervenção no ambiente prisional, caso se faça necessário.
Redução
Apesar da disputa entre facções, os números de homicídios têm diminuído em Mato Grosso (e no Brasil de uma forma geral). O estudo aponta dois fatores principais para a redução. Um deles é a implantação do Estatuto do Desarmamento em 2003, e o outro é o envelhecimento da população brasileira.
Segundo o estudo, o Estatuto do Desarmamento, que proibiu a porte de arma para civis, “conseguiu frear a escala armamentista”. Nos 14 anos anteriores da lei, os assassinatos por armas de fogo cresciam, em média, 5,44% ao ano. Mas, depois do estatuto e até 2017, o aumento caiu para uma média anual de 0,84%.
O outro ponto a favor da redução é o envelhecimento da população. De acordo com o estudo, o país passa por uma transição demográfica rumo ao envelhecimento da população e, consequentemente, a diminuição de jovens. Isto por que outras pesquisas apontam a participação de jovens “na dinâmica da taxa de crimes violentos e, em particular, de homicídios”.
Segundo a Sesp, a redução reflete uma tendência de buscar alcançar a redução, ano a ano, com trabalho focado na integração das forças policiais e no uso de tecnologia e inteligência.
"Desta forma, a expectativa é a de que alcancemos redução também neste ano, a exemplo das diversas ações que a Secretaria tem desenvolvido em todo o Estado para levar mais segurança aos cidadãos. Na Capital, alcançamos redução de 23% nos casos de homicídios, no período de janeiro a maio deste ano, em comparação ao mesmo período de 2018”, comenta o secretário Alexandre Bustamante, acrescentando que neste ano foram registrados 40 homicídios contra 52 casos nos cinco primeiros meses do ano passado.